terça-feira, 26 de abril de 2011

O Inverno

Que dia frio aquele! O vento gelado atravessava o couro da jaqueta e a lã da luva como um raio X, a grama amontoava grãos de gelo nas pontas formando uma geada capaz de congelar minhas pernas. Sentei-me no banco do parque, escorei os cotovelos nos joelhos contraindo os ombros e esfregando as mãos forradas pelas luvas uma na outra, acendi um cigarro que ficava amassado em meio aos dedos entrelaçados. Ah, o inverno!

Lá vinha você, linda, primeira coisa que penso de cara, como sempre me hipnotizo quando logo te vejo. Quando me vê dá um sorriso meio sem jeito deixando escapar um pouco de bafo quente que no choque com o ar gelado era visível. Para na minha frente e me olhando nos olhos solta um "oi" esticando os dois pés do chão até alcançar minha bochecha para me dar um beijo, beijo sentido lentamente que quando acabou, deixou um rastro gelado da sua saliva e da ponta do seu nariz, nariz esse que caiu até o meu peito, por descuido, instintivamente procurando calor, o que fez você ficar um tempo ali fugindo do frio, se abrigando em mim. Você volta a se afastar e arruma a touca que caiu para a frente, deixando alguns fios de cabelo soltos e desorganizados, outra risada envergonhada. Ah, o inverno!

Vamos para a minha casa, tem um filme de época muito bom que eu baixei, você comenta comigo que já ouviu falar muito bem e que nunca tinha tido a oportunidade de assisti-lo. Se era verdade, não sei, mas se era mentira, seria melhor ainda! Você tira seu casaco, bota, cachecol e se deita, seguida por mim que arrumava o DVD. O filme parece muito bom, com cenas muito picantes, numa delas, nós dois debaixo da mesma coberta, entrelaçando os pés, ainda em dúvida se olhamos para a tela ou não, nos beijamos, beijo gelado, cítrico, perfeito. Daí por diante avançamos as etapas numa velocidade incrível! Somente em tirar as calças ouve alguma resistência, logo abdicada por um gigantesco edredom que nos cobriu, mas claro que seguimos apenas alguns minutos embaixo do mesmo. Logo o calor tomava conta dos nossos corpos como se estivéssemos no mais alto clímax de verão. Ah, o inverno!

O filme que era para durar duas horas durou pelo menos quatro, mas era realmente bom, sério! Se fosse ruim provavelmente não terminaríamos de assistir. Ao final você me pede um copo d'água, prontamente atendida, já é tarde, mesmo assim ficamos conversando sobre o filme; atuações, direção, relação com a época atual, ficamos falando até pegar no sono, sem perceber... Eu acordo e não tem ninguém ali, me dou conta de que foi mais um sonho, de que meus pés estão gelados, de que eu estou atrasado para o trabalho e de que eu odeio o inverno, mas até que podia amá-lo!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cigarro

Caminhava rapidamente pela rua de Pedra com os punhos cerrados, ao fundo somente o som do vento norte e do latido dos cachorros vindo de todas as direções, a raiva explodindo o peito, o coração batendo pesado e os olhos vermelhos, sem lágrimas ainda, mas evidenciando todo o sofrimento que se passava naquela noite. Para. Tira a carteira de cigarro do bolso da jaqueta de couro, saca o cigarro, mãos trêmulas, o isqueiro custa a acender, teve de escondê-lo do vento atrás da jaqueta. Junta o indicador e o polegar apertando o filtro e lá vem a primeira tragada, não se desperdiçaria ela naquele momento. A palma da mão já seca o nariz que começou a coçar, o andar ficou mais lento e o coração mais leve. Até que parou e olhou para lado, mirou o meio fio e sentou em queda, olhou o cigarro, a fumaça subindo em curva, virando um redemuinho no meio e se espalhando no final. Puxa outra tragada, a mais forte indicado pela brasa queimando mais brilhante. Levanta a cabeça e solta a fumaça com força! E ficou o resto daqueles 5 minutos numa cena cômica que é chorar e fumar ao mesmo tempo. Quando o cigarro acabou as lágrimas também acabaram. Inclinou a bituca entre o dedo médio e o polegar numa espécie de estilingue e o atirou quase que até o outro lado da rua, ainda saia fumaça da sua boca e do cigarro, nenhuma pessoa na rua, eram somente os dois, um romance, uma dependência, o mais puro e verdadeiro amor.